Trabalho Noturno: empregado urbano e rural

Ângela Vitória Andrade Gonçalves da Silva

Graduanda em Direito pela UFJF – Campus Avançado de Governador Valadares.

Rafaela Bertolace Ferreira Martins

Graduanda em Direito pela Faculdades Integradas Vianna Júnior em Juiz de Fora.

A organização temporal do trabalho, a depender da sua disposição, pode ocasionar grandes impactos à saúde física e mental do trabalhador. Nesse contexto o trabalho no período noturno assume especial relevância, vez que impacta a vida do obreiro em diferentes esferas, como no relacionamento social e na dinâmica familiar. Além disso, tem-se, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, que “o trabalho noturno é uma das prováveis causas de câncer, devido à ruptura do ritmo circadiano – período de aproximadamente 24 horas em que se baseia o ciclo biológico”[1].

A despeito dos efeitos perservos do trabalho noturno, sua existência e crescimento é algo inquestionável na realidade brasileira. Segundo censo do IBGE de 2016, o número de brasileiros em trabalho noturno, integral ou parcial, cresceu em 985 mil pessoas[2]. Assim, reconhecendo a importância do tema, o presente estudo irá se debruçar sobre o tratamento do trabalho noturno, analisando suas circunstâncias na modalidade urbana e rural.

Para os empregados urbanos, o trabalho noturno é aquele executado entre o período compreendido entre às 22:00 às 05:00, conforme preestabelecido no art. 73 da CLT[3]. A hora noturna é computada como 52 minutos e 30 segundos, caracterizando o horário noturno reduzido (art. 73, §1°, da CLT[4]). Ademais, quanto ao seu pagamento, destaca-se que a remuneração devida a esse tipo de trabalho é de 20% superior à hora normal, aplicáveis as peculiaridades do caso específico.

No que tange aos trabalhadores rurais, regulamentados pela Lei n° 5.889/1973, tem-se que o adicional noturno é de 25% superior a hora normal (art. 7, parágrafo único, da Lei n° 5.889/1973[5]) , com duração específica quando se trata de pecuarista e empregados do setor da agricultura. O art. 7°, caput, da Lei n° 5.889/1974, dispõe:

art. 7º. Para os efeitos desta Lei, considera-se trabalho noturno o executado entre as vinte e uma horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte, na lavoura, e entre as vinte horas de um dia e as quatro horas do dia seguinte, na atividade pecuária.

Assim, depreende-se que a despeito das diferenças entre o horário de início e final do trabalho noturno do empregado rural, no setor da pecuária e da agricultura, a duração da hora é de 60 minutos, diferente da hora do trabalhador urbano.

Há ainda, em relação ao trabalho noturno, um conjunto de restrições quando, à própria prestação do trabalho – se dá no turno da noite. A primeira vedação encontrada é quanto ao trabalho noturno realizado pelos menores, A Constituição Federal a enfatiza em seu art. 7º, XXXIII,

art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Essa restrição é estabelecida em razão do desgaste físico, psíquico, familiar e social que esse período de prestação laboral provoca no trabalhador, principalmente o menor.

A segunda restrição registrada é que o trabalho noturno é proibido, regra geral, no segmento bancário (art. 224, § 1º, CLT[6]). A este respeito, destaca-se

a própria CLT já estabelece inúmeras exceções à regra geral que enuncia. A vedação, portanto, não se aplica aos trabalhadores exercentes de funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou ocupantes de outros cargos de confiança, desde que observada a percepção de gratificação não inferior a 1/3 do salário do cargo efetivo (§ 2º do art. 224). Legislação posterior ampliou o rol de exceções. Nesse contexto, também não se aplica a vedação celetista aos empregados executores de tarefa pertinente ao movimento de compensação de cheques ou pertinente à computação eletrônica (art. 1º, caput, Decreto-Lei n. 546, de 1969). Somem-se a esses casos anteriores os “casos especiais de atividade bancária de outra natureza, mediante autorização do Ministro do Trabalho e da Administração (art. 1º, § 4º, Dec.-Lei n. 546/69). (DELGAGO, 2019, p. 1119)

Vale ressaltar que o trabalho noturno das mulheres não tem, contudo, qualquer restrição especial, pois “as vedações e exigências dos arts. 379 e 380 da CLT já não poderiam produzir efeitos após 5.10.88, em face de se chocarem frontalmente com o texto constitucional surgido (art. 5º, caput e inciso I; art. 7º, XX, CF/88)” (DELGADO, 2019, p. 1118).

Portanto, é possível perceber que o trabalho noturno apresenta dois elementos distintos, sendo o primeiro um conjunto de restrições à própria prestação do trabalho no turno da noite. E o segundo elemento é o favorecimento compensatório no cálculo da jornada noturna através da redução ficta da hora, por exemplo.

Nesse sentido, mesmo que a legislação brasileira diligencie maneiras de compensar o obreiro pelo trabalho dispendido, buscando mitigar os abalos deste na saúde do trabalhador, estes esforços são insuficientes para solucionar os problemas trazidos à realidade. A conversão dos abalos físicos, mentais e sociais em pecúnia «adicional de 20 a 25%» é uma forma de legitimar a degradação do obreiro face ao desenvolvimento desenfreado do capital.

Notas:

[1] KEATING, Sarah. Os problemas de saúde causados pelo trabalho noturno. 2017. Publicada no site BBC news.. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-42468041. Acesso em: 08 out. 2020.

[2]BOAS, Bruno Villas. Número de trabalhadores no período noturno aumenta em 2016, nota IBGE. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2017/10/18/numero-de-trabalhadores-no-periodo-noturno-aumenta-em-2016-nota-ibge.ghtml. Acesso em: 08 out. 2020.

[3] Art. 73 – Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.

[4] Art. 73, § 1º – A hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos.

[5]  Art. 7, Parágrafo único – Todo trabalho noturno será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento) sobre a remuneração normal.

[6]  Art. 224 – A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.

Referências:

BOAS, Bruno Villas. Número de trabalhadores no período noturno aumenta em 2016, nota IBGE. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2017/10/18/numero-de-trabalhadores-no-periodo-noturno-aumenta-em-2016-nota-ibge.ghtml . Acesso em: 08 out. 2020.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho – Lei 5.452 de 01 de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.  Acesso em: 07 de out de 2020.

BRASIL. Lei n° 5.889 de 08 de junho de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5889.htm#:~:text=e%20mediante%20sal%C3%A1rio.-,Art.,e%20com%20aux%C3%ADlio%20de%20empregados. Acesso em: 07 de out de 2020.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ed. São Paulo: LTDA, 2019.

OLIVEIRA, Adriana Leônidas de; BERTHOUD, Cristiana Mercadante Esper; BEGLIOMINI, Ângelo Rovaris; COPPOLA, Raquel Gagliotti; RANGEL, Terezinha Chaves. O trabalho noturno e suas repercussões na saúde e na vida cotidiana de trabalhadores metalúrgicos do vale do Paraíba no estado de São Paulo. Psicolg. Organ. Trab., Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 45-94, dez. 2006.

KEATING, Sarah. Os problemas de saúde causados pelo trabalho noturno. 2017. Publicada no site BBC news.. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-42468041. Acesso em: 08 out. 2020.