O Querer e a Vontade

Samuel Firmino de Brito

Advogado especialista em Ciências Criminais (PUC/MG) e Direitos Fundamentais (IBCcrim/Coimbra)

Data venia, a posição, cujo voluntário é o querer ativo está equivocada -, embora seja majoritária. Isso faz com que não chegamos a um consenso tanto na doutrina, como nos tribunais -, no que concerne a tentativa na teoria do assentimento.

Pois, deve-se ter mais cautela ao analisar o querer, haja vista que nem todo querer é volitivo, isto é, ativo. O querer, faz parte dos atos não puníveis, até porque o pensamento é inviolável.

Destacando esse entendimento, salienta Nietzsche:

[…] digamos: em todo querer há, primeiro, uma multiplicidade de sensações, a saber, a sensação do estado do qual nos afastamos, a sensação do estado ao qual nos dirigimos, a própria sensação deste ‘afastamos’ e ‘dirigimos’, e então, ainda, uma sensação muscular concomitante, que, por uma espécie de hábito, ainda que não coloquemos ‘braços e pernas’ em movimento, principia seu jogo tão logo nós ‘queremos’ (2014, p. 39-40, grifos do autor).

Concretiza Nietzsche que “a vontade não é apenas um complexo de sentir e pensar, mas antes de tudo, um afeto: e, mais precisamente, esse afeto do comando” (2014, p. 40). Comando este exercido pelo livre-arbítrio[1], cujo indivíduo não apenas cogita ou conhece, mas age de forma explicita, alterando a matéria do mundo, para obter o resultado pretendido[2].

Todavia, imprescindível a análise filosófica acerca da vontade para compreensão do estudo em análise, tendo em vista o vínculo entre Direito Penal e a Filosofia.

Acerca deste entendimento, segue os ensinamentos de Zaffaroni e Pierangeli:

Todas as ciências se vinculam à filosofia, porque enquanto as ciências particulares se perguntam acerca de certos entes, à filosofia devemos perguntar pelos entes em geral (‘ontologia’, estudo dos entes). Pode-se dizer, pois, que as ciências são ‘ontologias regionais’, o que não se deve entender no sentido de que a ontologia se ocupa do ser de cada um dos entes, e sim do ‘ser’, isto é, do que lhes é comum, daquilo que faz com que todos os entes ‘sejam’ (2015, p. 87).

Se todas as ciências se vinculam a Filosofia, ao Código Penal adota integralmente o sistema finalista de Welzel em 1984[3], adotou também suas características filosóficas, a respeito da vontade (CP, art. 14, II[4]).

Contudo, a corrente majoritária se equivoca ao analisar o ser; tendo em vista que nas lições de Nietzsche, o ente ontologicamente indicado será o homem; e, sendo ser, o querer. Porém, houve diversas de conclusões errôneas acerca do querer, isto é, a compreensão do instituto perante a coletividade, pelo qual se passou a conceber ao querer uma falsa valoração da vontade, tonando tal raciocínio comum – corrente majoritária; contrariando, os ensinamentos do próprio criador – Hans Welzel.

Até mais.

Notas:

[1] O livre-arbítrio é a capacidade de escolha pela vontade humana. O livre-arbítrio é uma crença religiosa ou uma proposta filosófica que defende que a pessoa tem o poder de decidir as suas ações e pensamentos segundo o seu próprio desejo e crença.

[2] A teoria realista do conhecimento, qual traz a definição de ato de conhecimento, que consiste no saber, isto é, a compreensão de determinados dados; e, de ato de vontade, aquele que cria modificações na “matéria do mundo”, pois se dirige diretamente ao objeto (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2015, p. 369).

[3] Leia o artigo: “Tipicidade no Sistema Finalista” publicado em 23.04.2020.

[4] Art. 14 – Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[…];

II – Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Referências:

BRITO. Samuel Firmino de. A incompatibilidade da tentativa na teoria do assentimento sob a ótica do sistema finalista de Hans Welzel. Monografia. Orientadora: Júlia Mara Rodrigues Pimentel. Manhuaçu/MG: Faculdade Doctum, 2017.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do bem e do mal. Porto Alegre: L&PM Editores, 2008.