Samuel Firmino de Brito
Advogado especialista em Ciências Criminais (PUC/MG) e Direitos Fundamentais (IBCcrim/Coimbra)
Acerca do tema, o professor Rui Cunha Martins:
É meu entendimento que o estafado problema da verdade no seio do processo penal, carece, sobretudo, de um deslocamento de perspectiva. Sucede que esta não se alcança senão mediante um deslocamento prévio dos pressupostos da discussão. Enquanto, o debate se mantiver dentro das mesmas regras do jogo que outrora conduziram à consagração do «verdadeiro» como eixo central do sistema processual, enquanto a argumentação utilizada para propor o deslocamento funcional da verdade partir de dentro da mesma província de significado que a argumentação utilizada para redizer a respectiva centralidade, a possibilidade de produzir uma efectiva reconsideração do problema será sempre escassa. O debate tende, nestes casos, a arrastar-se sem solução, ora reproduzido sem novidade o maniqueísmo de base (a verdade é possível versus a verdade é inalcançável), ora distraindo-se em torno de variações do mesmo (verdade real versus verdade processual). Roubar o problema à óptica discursiva em que ele tem estado inserido apresenta-se, deste ponto de vista, como indeclinável tarefa preliminar. Sugiro, em concreto, um deslocamento da problemática para fora dos aparelhos argumentativos do logicismo formal, no quadro dos quais a discussão sobre a verdade, porque ancorada em critérios de coerência, omite da reflexão aquilo que rigorosamente interessa, que é a questão de lugar do «verdadeiro» no âmbito de uma dinâmica processual que o reconfigura e o move a cada momento. Para isto convirá focar o debate de verdade na tensão entre lugar e sistema. Trata-se de conferir a devida nuclearidade à questão da posição” (MARTINS, 2012, p. 71-72, grifos do nossos e do original).
Isto é, tem verdade? Sim. Desde que, seja compatível com as garantias elencadas no ordenamento jurídico pátrio. Aliás, se não for para seguir às regras do jogo, porque então – o Estado monopolizou o castigo?
Outro motivo não há, se não, pelo estabelecimento da ordem interna, em garantir à igualdade entre os indivíduos para a solução pacífica de conflitos, ora previsto como objetivo no Preâmbulo Constitucional.
Infelizmente, essa solução decaí em desuso – quando atribuído o sentido de guerra, seja contra as drogas ou, agora em voga, contra à corrupção, v.g. direito penal do inimigo – quando há exclusão de garantias constitucionais a estes grupos, e assim, nasce o Autoritarismo – se é, que um dia ele deixou de existir.
Referências:
MARTINS, Rui Cunha. O mapeamento processual da “verdade“. In: PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas; CUNHA MARTINS, Rui; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Decisão judicial: a cultura jurídica brasileiro na transição para a democracia. Madrid: Marcial Pons, 2012. Disponível em: http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=99710. Acesso em: 22 ago. 2019. p. 71-85. Disponível em: http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=99746. Acesso em: 22 ago. 2019.