Samuel Firmino de Brito
Advogado especialista em Ciências Criminais (PUC/MG) e Direitos Fundamentais (IBCcrim/Coimbra)
Antes de adentramos no caso propriamente dito, o procedimento em análise está em sede de habeas corpus, cuja natureza é posta como ação constitucional autônoma, e tem por finalidade evitar ou cessar violação a preceitos fundamentais previsto na Carta Cidadã[1] (CF, art. 5º, LXVII[2]).
No caso em análise, o habeas corpus é utilizável como meio substitutivo, isto é, uma alternativa. Tendo em vista, que por ser um procedimento constitucional, possui prioridade de tramitação, e consegue assegurar também a razoabilidade duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII[3]), assim, denominado pelo Superior Tribunal de Justiça – como mero sucedâneo de revisão criminal:
Habeas corpus. Substitutivo de revisão criminal. Não inaugurada a competência do STJ. Inadmissibilidade. Fraude em licitação (art. 90 da lei n. 8.666/1993). Prescrição. Inexistência. Dosimetria. Manifesta ilegalidade. Perda do cargo público. Constrangimento ilegal evidenciado. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para refazer a dosimetria e afastar a perda do cargo público. Prescrição da pretensão punitiva declarada. 1. Foi certificado, nesta Corte, o trânsito em julgado, em 6/3/2017, do AREsp n. 864.951/SP, em cujos autos foi declarada a intempestividade dos recursos especiais interpostos contra o acórdão da Apelação Criminal n. 00062110720078260358. O presente habeas corpus impetrado em 30/11/2018 é mero sucedâneo de revisão criminal. Incompetência desta Corte Superior para o processamento do pedido, pois ausente julgamento de mérito passível de revisão em relação à condenação sofrida pelas pacientes. […] 6. Refeita a dosimetria quanto ao crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993[4]. Pena-base fixada no mínimo legal. Sem circunstâncias agravantes ou causas de aumento, a pena definitiva fica estabelecida em 2 anos de reclusão, no regime aberto, mais o pagamento de 10 dias-multa, e afastada a perda do cargo público efetivo. 7. A redução da pena agora operada altera o lapso prescricional para 4 anos (art. 109, V, do CP[5]). Entre a data do recebimento da denúncia, 13/1/2009, e a data da sentença condenatória, 14/8/2013, foi ultrapassado o marco temporal de 4 anos, tendo-se, assim, por consumada a prescrição da pretensão punitiva das pacientes V. L. R. F. e S. M. D. G., bem como dos corréus T. R. T. e L. H. M. de C., em idêntica situação fático-processual. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir as penas, pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, das pacientes V. L. R. F. e S. M. D. G. e dos corréus T. R. T. e L. H. M. de Carvalho para 2 anos de reclusão, no regime inicial aberto, além do pagamento de 10 dias-multa, afastada, ainda, a determinação de perda do cargo público efetivo das pacientes. Feita a redução da pena, declarada extinta a punibilidade de V. L. R. F., S. M. D. G., T. R. T. e L. H. M. de C., como incursos no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, pela prescrição da pretensão punitiva[6].
Como visto, a produção de efeitos da prescrição é retroativa (CP, art. 109[7] e art. 110[8]), portanto, ainda que o habeas corpus não seja conhecido; ele produzirá efeitos caso seja concedida ordem de ofício. Destacando, que a opção da utilização deste meio, equivale a uma carta na manga, analisada caso a caso, não apenas em sua matéria propriamente dita –, mas em consonância com a Teoria dos Jogos no Processo Penal.
Sendo assim, trata-se de uma jogada válida, e que no caso em análise, consagrou o que Rui Barbosa ensinou: “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
Notas:
[1] Habeas corpus é uma ação constitucional autônoma de caráter penal e de procedimentos especial, isenta de custas que visa evitar ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Não se trata, portanto, de uma espécie de recurso, apesar de regulamentado no capítulo a eles destinados no CPP. (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 363).
[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…];
LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
[3] Vide nota 02:
[…];
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[4] Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
[5] Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
[…];
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois.
[6] STJ – 6.ª T. – HC 482.458 – rel. Sebastião Reis Júnior – j. 22.10.2019 – public. 05.11.2019 – Cadastro IBCCRIM 6145. Disponível no Boletim de Publicações do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no ano 28 – nº 328 – Março/2020 – ISSN 1676-3661. Acesso em 18.04.2020 através do hiperlink: https://www.ibccrim.org.br/publicacoes/edicoes/14.
[7] Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
[…];
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois.
[8] Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.
Referências:
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 363.
STJ – 6.ª T. – HC 482.458 – rel. Sebastião Reis Júnior – j. 22.10.2019 – public. 05.11.2019 – Cadastro IBCCRIM 6145. Disponível no Boletim de Publicações do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no ano 28 – nº 328 – Março/2020 – ISSN 1676-3661. Acesso em 18.04.2020 através do hiperlink: https://www.ibccrim.org.br/publicacoes/edicoes/14.