Empregado Doméstico: avanços da Lei Complementar n° 150 de 2015

Ângela Vitória Andrade Gonçalves da Silva

Graduanda em Direito pela UFJF – Campus Avançado de Governador Valadares.

Rafaela Bertolace Ferreira Martins

Graduanda em Direito pela Faculdades Integradas Vianna Júnior em Juiz de Fora.

Os trabalhadores domésticos, por muito tempo, ficaram relegados pelo Poder Público, sem qualquer proteção estatal. A Consolidação das Leis do Trabalho excluiu do âmbito de sua proteção essa fração da classe trabalhadora, como se depreende da leitura do art. 7°, a, da CLT[1]. A Constituição Federal, por sua vez, atribuiu alguns direitos a estes trabalhadores, equiparando-os sem quaisquer distinções (art. 7, parágrafo único, da CF/88[2]). Diante disso, para mudar esse cenário lacunoso, em 2015, a Lei Complementar n° 150 passou a regulamentar o contrato de trabalho doméstico.

Nos termos do art. 1° da Lei Complementar n° 150/2015, define-se emprego doméstico como “aquele que presta serviços de maneira contínua, subordinada onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”. Conforme se verifica, a grosso modo o empregado nesta modalidade concentra todos os elementos definidores da relação de emprego (caráter não eventual, subordinação, onerosidade e pessoalidade), somando o a finalidade não lucrativa do serviço.

Além disso, para a caracterização dessa morfologia do trabalho, destaca-se a definição do empregador como aquela pessoa ou família, devendo o serviço ser prestado no âmbito residencial. Esta última peculiaridade não se relaciona com a função desenvolvida pelo empregado, mas sim o local de prestação de serviços.

Vejamos algumas peculiaridades advindas do trabalho doméstico, a seguir.

Começando pela jornada de trabalho estabelecida pela Lei Complementar n° 150/2015, conforme o art. 2°, será de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Da mesma maneira, o sobretrabalho também será remunerado com um adicional de 50% (cinquenta por cento) superior à hora normal. Destaca-se aqui que constitui uma obrigação do empregador doméstico o registro, manual, mecânico, ou eletrônico, da prestação de serviços (art. 12 da LC 150/2015[3]). Assim, é imprescindível que haja um controle de ponto.

Quanto ao regime de compensação «banco de horas», existem algumas peculiaridades dignas de atenção, visto que nas primeiras 40 (quarenta) horas excedentes mensais lhe é devido o pagamento como extraordinária, salvo se compensadas durante o mês. As jornada extraordinária excedente as 40 (quarenta) horas mencionadas, por sua vez, admitem uma flexibilização de compensação anual (art. 2°, §5°, da LC 150/2015[4]).

Ao empregado doméstico é garantido repouso semanal remunerado[5], preferencialmente, aos domingos, bem como feriados remunerados (art. 16 da LC 150/2015[6]). O trabalho executado aos domingos e feriados, que engloba o repouso remunerado, caso não compensado no banco de horas detalhado acima, deve ser pago em dobro (art. 2°, §8° da LC 150/2015[7]).

No que tange aos intervalos, destaca-se que o interjornada, como disposto no art. 66 da CLT[8], é garantido o intervalo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso entre duas jornadas (art. 15 da LC 150/2015[9]). Os intervalos intrajornada, por sua vez, apresentam uma peculiaridade quanto as demais relações empregatícias, visto que há a possibilidade de, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, a redução do intervalo para repouso e alimentação para 30 minutos mínimos. Leia-se o art. 13, da LC n° 150/2015:

Art. 13. É obrigatória a concessão de intervalo para repouso ou alimentação pelo período de, no mínimo, 1 (uma) hora e, no máximo, 2 (duas) horas, admitindo-se, mediante prévio acordo escrito entre empregador e empregado, sua redução a 30 (trinta) minutos.

1º. Caso o empregado resida no local de trabalho, o período de intervalo poderá ser desmembrado em 2 (dois) períodos, desde que cada um deles tenha, no mínimo, 1 (uma) hora, até o limite de 4 (quatro) horas ao dia.

2º Em caso de modificação do intervalo, na forma do § 1º, é obrigatória a sua anotação no registro diário de horário, vedada sua prenotação.

Enquanto, a jornada 12×36 a legislação em apreço a prevê a regulamenta no art.10 LC n° 150/2015[10], sendo essa carga horária é adotada especialmente quando o empregador necessita do serviço doméstico de forma ininterrupta. Como exemplo tem-se os empregadores que contratam cuidadores de idosos ou babás e precisam da assistência destes por um período maior que a jornada regular (8 horas diárias), adotando assim a jornada de 12 horas de labor e 36 horas ininterruptas de revezamento.

No que se refere a esta jornada

a LC n. 150/2015 sufraga a jornada de trabalho de plantão, inerente especialmente aos acompanhantes e/ou cuidadores domésticos (também denominados atendentes pessoais); essa jornada é fixada à base de 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de descanso (regime 12 X 36). (DELGADO, 2019, p. 468).

Não menos importante, a modalidade de viagem com empregador, se dá quando o empregado doméstico será acompanhante da família em determinado período, tem-se por necessidade a emissão emitir um termo específico, imprescindível nestes casos, estipulando os direitos básicos, como forma de prestação de serviço e remuneração.

A legislação trabalhista atual oferece duas possibilidades ao empregador: (i) o adicional de 25% sobre cada hora trabalhada durante a viagem ou (ii) crédito de banco de horas correspondente a 25% do número de horas efetivamente, sobre a remuneração, que computam apenas as horas efetivamente trabalhadas (art. 11 da LC n° 150/2015[11]).

No tocante às férias anuais remuneradas, são adquiridas após o período de 12 meses trabalhados, em regra de trinta dias, podendo ser parceladas, a critério do empregador, em até dois períodos, sendo um deles de, no mínimo, 14 dias corridos (art. 17, caput e § 2º, da LC n° 150/2015[12]).

Sobre este direito, ressalta-se a peculiaridade do doméstico face ao empregado, visto que este último pode sofrer um fracionamento em até três períodos (art. 134, §1°, da CLT[13]).

Já em relação ao contrato de trabalho por prazo determinado, essa modalidade está prevista no art. 4º da LC n° 150/2015[14], podendo ser feito em duas hipóteses: (i) contrato de experiência e (ii) para atender necessidades transitórias.

A legislação estabelece que o período de duração do contrato de trabalho com prazo determinado, por substituição temporária, seja de até 2 anos. Entretanto, o contrato de trabalho pode ser prorrogado por inúmeras vezes, respeitando o limite de dois anos.

Além disso, importante abordar os descontos salariais, eis que a Lei Complementar já mencionada, proíbe tal conduta pelo empregador, pois, o salário do empregado tem por finalidade o fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, in verbis:

Art. 18. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem. (LC n. 150/2015).

Por derradeiro, o fundo de garantia do tempo de serviço, a legislação em análise conferiu à inclusão obrigatória do empregado doméstico no sistema do FGTS. A contar de 1º de outubro de 2015, com a concretização do simples doméstico, por meio do e «social doméstico», tornaram-se obrigatórios dois recolhimentos mensais a esse título: 8% do salário, inclusive agregado este das verbas salariais recebidas (horas extras, com adicional e reflexos; adicional noturno, com reflexos; pagamento dobrado por feriado trabalhado, etc.) e mais 3,2% de recolhimento, considerada a mesma base mensal de cálculo, a título de antecipação preventiva e substitutiva dos potenciais 40% rescisórios devidos caso haja a dispensa sem justa causa do empregado doméstico (arts. 21[15], 22[16] e 34, IV e V[17], LC n. 150/2015).

Importante observar que preleciona a LC n° 150/2015 que o “fornecimento de moradia ao empregado doméstico na própria residência ou em morada anexa, de qualquer natureza, não gera ao empregado qualquer direito de posse ou de propriedade sobre a referida morada” (§ 4º do art. 18). Extinto o contrato de trabalho, deverá, evidentemente, o trabalhador desocupar o referido imóvel, uma vez que desaparece o título jurídico autorizador da ocupação.

Portanto, é possível perceber que a Lei Complementar n. 150, publicada em 2.6.2015, conferiu nova estrutura normativa ao contrato de trabalho doméstico. Embora não tenha tornado, tecnicamente, esse contrato um tipo formalístico, o fato é que criou vários procedimentos e institutos que somente se concretizam de maneira formal, representando um avanço para os trabalhadores deste ramo.

Notas:

[1] Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplica: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas;

[2] Art. 7°, parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. 

[3] Art. 12.  É obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo.

[4] Art. 2°, § 5o No regime de compensação previsto no § 4º:

I – será devido o pagamento, como horas extraordinárias, na forma do § 1o, das primeiras 40 (quarenta) horas mensais excedentes ao horário normal de trabalho;

II – das 40 (quarenta) horas referidas no inciso I, poderão ser deduzidas, sem o correspondente pagamento, as horas não trabalhadas, em função de redução do horário normal de trabalho ou de dia útil não trabalhado, durante o mês;

III – o saldo de horas que excederem as 40 (quarenta) primeiras horas mensais de que trata o inciso I, com a dedução prevista no inciso II, quando for o caso, será compensado no período máximo de 1 (um) ano.

[5] Leia: “Descanso semanal remunerado e feriados: repercussões jurídicas” publicado em 20.10.2020.

[6]Art. 16. É devido ao empregado doméstico descanso semanal remunerado de, no mínimo, 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, preferencialmente aos domingos, além de descanso remunerado em feriados.

[7] Art. 2º. § 8o O trabalho não compensado prestado em domingos e feriados deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

[8] Art. 66 – Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.

[9] Art. 15. Entre 2 (duas) jornadas de trabalho deve haver período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.

[10] Art. 10. É facultado às partes, mediante acordo escrito entre essas, estabelecer horário de trabalho de 12 (doze) horas seguidas por 36 (trinta e seis) horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

[11] Art. 11. Em relação ao empregado responsável por acompanhar o empregador prestando serviços em viagem, serão consideradas apenas as horas efetivamente trabalhadas no período, podendo ser compensadas as horas extraordinárias em outro dia, observado o art. 2o.

§1º. O acompanhamento do empregador pelo empregado em viagem será condicionado à prévia existência de acordo escrito entre as partes.

§2º. A remuneração-hora do serviço em viagem será, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) superior ao valor do salário hora normal.

§ 3º. O disposto no § 2º deste artigo poderá ser, mediante acordo, convertido em acréscimo no banco de horas, a ser utilizado a critério do empregado.

[12] Art. 17.  O empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, salvo o disposto no § 3o do art. 3o, com acréscimo de, pelo menos, um terço do salário normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho prestado à mesma pessoa ou família.

§2º. O período de férias poderá, a critério do empregador, ser fracionado em até 2 (dois) períodos, sendo 1 (um) deles de, no mínimo, 14 (quatorze) dias corridos.

[13] Art. 134, § 1o Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.

[14] Art. 4o É facultada a contratação, por prazo determinado, do empregado doméstico:

I – mediante contrato de experiência;

II – para atender necessidades familiares de natureza transitória e para substituição temporária de empregado doméstico com contrato de trabalho interrompido ou suspenso.

Parágrafo único. No caso do inciso II deste artigo, a duração do contrato de trabalho é limitada ao término do evento que motivou a contratação, obedecido o limite máximo de 2 (dois) anos.

[15] Art. 21. É devida a inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), na forma do regulamento a ser editado pelo Conselho Curador e pelo agente operador do FGTS, no âmbito de suas competências, conforme disposto nos arts. 5o e 7o da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, inclusive no que tange aos aspectos técnicos de depósitos, saques, devolução de valores e emissão de extratos, entre outros determinados na forma da lei.

Parágrafo único. O empregador doméstico somente passará a ter obrigação de promover a inscrição e de efetuar os recolhimentos referentes a seu empregado após a entrada em vigor do regulamento referido no caput.

[16] Art. 22. O empregador doméstico depositará a importância de 3,2% (três inteiros e dois décimos por cento) sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada empregado, destinada ao pagamento da indenização compensatória da perda do emprego, sem justa causa ou por culpa do empregador, não se aplicando ao empregado doméstico o disposto nos §§ 1o a 3o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990.

§1º. Nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, de término do contrato de trabalho por prazo determinado, de aposentadoria e de falecimento do empregado doméstico, os valores previstos no caput serão movimentados pelo empregador.

§2º. Na hipótese de culpa recíproca, metade dos valores previstos no caput será movimentada pelo empregado, enquanto a outra metade será movimentada pelo empregador.

§ 3º. Os valores previstos no caput serão depositados na conta vinculada do empregado, em variação distinta daquela em que se encontrarem os valores oriundos dos depósitos de que trata o inciso IV do art. 34 desta Lei, e somente poderão ser movimentados por ocasião da rescisão contratual.

§4º. À importância monetária de que trata o caput, aplicam se as disposições da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, e da Lei no 8.844, de 20 de janeiro de 1994, inclusive quanto a sujeição passiva e equiparações, prazo de recolhimento, administração, fiscalização, lançamento, consulta, cobrança, garantias, processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários federais.

[17] Art. 34. O Simples Doméstico assegurará o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes valores:

I – 8% (oito por cento) a 11% (onze por cento) de contribuição previdenciária, a cargo do segurado empregado doméstico, nos termos do art. 20 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;

II – 8% (oito por cento) de contribuição patronal previdenciária para a seguridade social, a cargo do empregador doméstico, nos termos do art. 24 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;

III – 0,8% (oito décimos por cento) de contribuição social para financiamento do seguro contra acidentes do trabalho;

IV – 8% (oito por cento) de recolhimento para o FGTS; 

V – 3,2% (três inteiros e dois décimos por cento), na forma do art. 22 desta Lei; e

VI – imposto sobre a renda retido na fonte de que trata o inciso I do art. 7o da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, se incidente.

Referências:

BRASIL. Decreto nº 5452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 29 ago. 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 1988. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 ago. 2020.

BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 150 DE 01.06.2015. TRABALHO DOMÉSTICO. Brasília, Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-complementar-150-2015.htm Acesso em: 30/10/2020

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ed. São Paulo: LTDA, 2019.