Direito a Preguiça: o direito a férias e suas consequências jurídicas

Ângela Vitória Andrade Gonçalves da Silva

Graduanda em Direito pela UFJF – Campus Avançado de Governador Valadares.

Rafaela Bertolace Ferreira Martins

Graduanda em Direito pela Faculdades Integradas Vianna Júnior em Juiz de Fora.

Valter Rodrigues de Abreu Junior

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Doctum Manhuaçu/MG.

Antes de adentrarmos no tema, importantíssima a introdução básica apresentada por Lafargue:

Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos e torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua progenitora. (1999, p. 2)

É historicamente conhecida a exploração do trabalho – leiam-se trabalhador, pelo capital, que tem como consequência lógica a “degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica” (LAFARGUE, 1999, p. 2) do proletariado. Standing (2014) ressalta que o excesso de horas trabalhadas aumenta os riscos de estresse, depressão e diabetes. Como forma de mitigar os efeitos predatórios do trabalho excessivo, surgem algumas figuras no seio do Direito do Trabalho para blindar a saúde e segurança do trabalhador, dos quais se destaca o objeto do presente texto: o direito às férias.

“Não importa a área, o cargo ou o trabalho. Férias são sempre férias” (BIGARELLI, 2017). O direito de férias, têm sua importância consagrada para além do ordenamento jurídico nacional, possuindo destaque em convenções internacionais, tais como: a Convenção n° 132 da OIT. No âmbito interno, esse direito é garantido pela Constituição Federal de 1988 e a Consolidação das Leis do Trabalho nos art. 7º, inciso XVII[1] e art. 129[2] e ss., respectivamente.

Conforme mencionado esse período que é garantido ao trabalhador como

parte de uma estratégia concertada de enfrentamento dos problemas relativos à saúde e segurança no trabalho, à medida que favorecem a ampla recuperação das energias físicas e mentais do empregado após longo período de prestação de serviços. São, ainda, instrumento de realização da plena cidadania do indivíduo, uma vez que propiciam sua maior integração familiar, social e, até mesmo, no âmbito político mais amplo. (DELGADO, 2019, p. 1157).

Sendo ainda, um importante mecanismo complementar para a reinserção familiar, social e política do trabalhador.

As férias tem caráter imperativo, pois é

instituto atado ao segmento da saúde e segurança laborais, faz com que as férias não possa ser objeto de renúncia ou transação lesiva e, até mesmo, transação prejudicial coletivamente negociada (DELGADO, 2019, p. 1159).

Assim, em razão da complexidade paira o tema, o esclarecimento das consequências jurídicas que o permeia assume uma importância ímpar para o bom desenvolvimento das relações trabalhistas, tanto para o empregador quanto para o empregado. Pensando nisso, o presente texto irá se debruçar sobre a análise de pontos fundamentais, como: período de concessão de férias e remuneração; férias intempestivas; faltas injustificadas e a perda do direito; férias coletivas; e, por fim, conversão em abono pecuniário.

Vejamos, então (i) o período aquisitivo e período concessivo, cujo o art. 129[3] previsto na CLT, trata do tema chamado período aquisitivo de férias, constituindo

a expressão ‘sem prejuízo da remuneração’ é essencial para o conceito de férias, pois o empregado não pode sofrer prejuízos ou desfalque em seus ganhos, sob pena de ele próprio se sentir desestimulado e procurar postergar o descanso (SILVA, 2019, p. 83).

Existe um período de trabalho em que o empregado conquista o direito às férias, chamado de período aquisitivo. Sobre o tema, destaca-se que

na legislação brasileira, o período é de 12 meses para aquisição e, depois, 12 meses para se encontrar a data do descanso ou gozo das férias, lembrando que enquanto o empregado descansa férias ele já está automaticamente computando novo período de férias (art. 130, § 2º da CLT)[4]. (SILVA, 2019, p.83).

Tem-se que o aviso-prévio, conforme previsão no art. 487, §1°[5], mesmo indenizado, integra o período aquisitivo de férias, uma vez que é parte do tempo de serviço obreiro para todos os fins.

A concessão das férias ao longo do contrato de trabalho submete-se também a regras objetivas estipuladas pela ordem jurídica.

O período regular de concessão das férias, situado no curso do contrato, denomina-se período concessivo ou período de gozo (ou ainda período de fruição). Ele se posiciona nos 12 meses subsequentes ao termo final do período aquisitivo das férias (art. 134)[6]. Constitui-se, portanto, no lapso temporal de 12 meses imediatamente seguinte ao respectivo período de aquisição das férias. (DELGADO, 2019, p. 1171).

No tocante à concessão regular das férias, há que se examinar a possibilidade de seu fracionamento.

A Lei da Reforma Trabalhista alterou alguns desses pontos normativos da CLT, de maneira a permitir o fracionamento da fruição das férias individuais “em até três períodos”, desde que “haja concordância do empregado” (novo texto do § 1º do art. 134 da CLT). Para a nova regra, um desses períodos “não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos” (art. 134, § 1º, conforme redação conferida pela Lei n. 13.467, vigente desde 11.11.2017). (DELGADDO, 2019, p. 1175).

Entretanto, com a revogação do § 2º do art.134 da CLT, derrubou-se a proibição de fracionamento de férias de adolescentes e de pessoas com mais de 50 anos.

O empregador fixa as férias de acordo com seus interesses e não precisa concordar com a solicitação do empregado quanto ao mês mais conveniente. Porém, é necessário que a fruição recaia dentro do período concessivo e respeitando o art. 136, § 2º da CLT[7].

Há também, as (ii) férias intempestivas, cujo assunto, vem a calhar quando ultrapassado o prazo do período concessivo mencionado no art. 134 da CLT, sendo devido o pagamento em dobro da remuneração prevista para as férias, conforme o art. 137, caput, da CLT[8].

Por derradeiro, as (iii) faltas injustificadas e perda do direito de férias, eis que é importante ter em mente que para o gozo do direito de férias o empregado deve cumprir o período aquisitivo, já analisado no presente texto, caso haja faltas injustificadas no decorrer do mesmo haverá o desconto no período de descanso atendendo a proporção prevista no art. 130 do CLT, como se vê:

Art. 130 – Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção:

I – 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes;                        

II – 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas;                     

III – 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas;                    

IV – 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas.       

Na mesma sequência lógica, se houver a interrupção do contrato de trabalho por mais de 30 (trinta) dias, o direito de férias fica prejudicado, iniciando-se um novo período aquisitivo finda a interrupção.

São hipóteses que permitem a perda do direito de férias, conforme o art. 133 da CLT:

I – deixar o emprego e não for readmitido dentro de 60 (sessenta) dias subsequentes à sua saída;                   

II – permanecer em gozo de licença, com percepção de salários, por mais de 30 (trinta) dias;         

III – deixar de trabalhar, com percepção do salário, por mais de 30 (trinta) dias, em virtude de paralisação parcial ou total dos serviços da empresa; e     

IV – tiver percebido da Previdência Social prestações de acidente de trabalho ou de auxílio-doença por mais de 6 (seis) meses, embora descontínuos.                         

Assim, tem-se que o direito às férias implica no cumprimento de determinados deveres durante o período aquisitivo, sob pena de mitigação ou até mesmo perda do direito.

De um lado, cabe ao empregador garantir o fundamental direito ao descanso do trabalhador, tão necessário à garantia de sua saúde física e mental, permitindo que este possa, durante determinado período, desligar-se da cansativa rotina de trabalho para dedicar-se a sua família, seu lazer e projetos pessoais. De outro, cabe ao trabalhador dedicar às suas funções e cumprir assiduamente suas obrigações durante o período de trabalho para que possa usufruir livremente de seu descanso prolongando.

Nesse sentido, como se nota, trata-se de uma relação bilateral, cujo estrito cumprimento das disposições legais pelo empregado, e principalmente pelo empregador, são necessárias à manutenção de uma boa relação de trabalho.

Notas:

[1] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

[2]Art. 129. Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração.

[3]Art. 129 – Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração. 

[4]Art. 130 – Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: § 2º – O período das férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço.  

[5]Art. 487 – § 1º – A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.

[6]Art. 134 – As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subseqüentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.                     

1o. Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.             

2o(Revogado).     

3oÉ vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

[7] Art. 136, §2°- o empregado estudante, menor de 18 (dezoito) anos, terá direito a fazer coincidir suas férias com as férias escolares.

[8]  Art. 137 – Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.

Referências:

BIGARELLI, Barbara. Direito do trabalho: entenda como funcionam as férias. 2017. Disponível em: http://www.granadeiro.adv.br/clipping/midia/2017/07/27/direito-do-trabalho-entenda-funcionam-as-ferias. Acesso em: 04set. 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 1988. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07set. 2020.

BRASIL. Decreto nº 5452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 07set. 2020.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ed. São Paulo: LTDA, 2019.

LAFARGUE, P. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec; Unesp, 1999.

SILVA, Homero Batista Mateus da. CLT Comentada: livro eletrônico. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. Tradução Cristina Antunes; 1. ed.; 1. reimp,. Belo Horizonte: FAutêntica Editora, 2014 (Invenções Democráticas, v. IV).