Samuel Firmino de Brito
Advogado especialista em Ciências Criminais (PUC/MG) e Direitos Fundamentais (IBCcrim/Coimbra)
O raciocínio neste tópico será igualmente o tomado no artigo enquanto a divergência na Doutrina[1], abordando inicialmente a corrente majoritária, passando após para análise da corrente minoritária.
Neste ínterim, segue o posicionamento da compatibilidade, emanado pelo STF:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. JULGAMENTO REALIZADO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES DE PRIMEIRO GRAU. CONVOCAÇÃO REALIZADA PELO SISTEMA DE VOLUNTARIADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. (…) DENÚNCIA ALTERNATIVA. DESCRIÇÃO ATRIBUI À CONDUTA DO PACIENTE O DOLO DIREITO OU O EVENTUAL. FIGURAS EQUIPARADAS PELO LEGISLADOR. IRRELEVÂNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DO TIPO DE AÇÃO DOLOSO. INÉPCIA NÃO CONFIGURADA. […]; 2. Não há na doutrina consenso acerca da admissibilidade desta técnica de imputação no processo penal brasileiro. Entretanto, tal debate se mostra irrelevante para o deslinde da questão posta na impetração. 3. Não se revela inepta a denúncia que atribui ao acusado a prática do delito com dolo direto ou eventual, tendo em vista que o legislador ordinário equiparou as duas figuras para a caracterização do tipo de ação doloso. Doutrina. 4. A exordial acusatória atribui ao paciente a prática de uma única ação – desferir o tiro de revólver contra as vítimas em sua perseguição, descrita com riqueza de detalhes, o que não se amolda ao conceito de denúncia alternativa. (STF – HC: 114223 SP, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 02/04/2013, Data de Publicação: DJe-063 DIVULG 05/04/2013 PUBLIC 08/04/2013).
Assim, a cúpula superior, embora reconheça a falta de consenso na doutrina; vê-se que segue a corrente majoritária, entendendo que os institutos são compatíveis. No mesmo entendimento, segue o STJ:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO PELO PERIGO COMUM NA FORMA TENTADA. COMPATIBILIDADE ENTRE O DOLO EVENTUAL E A MODALIDADE TENTADA DO DELITO. ACÓRDÃO ESTADUAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA N. 83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. – Esta Corte Superior de Justiça já se posicionou no sentido da compatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado. (AgRg no REsp 1199947/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 17/12/2012) – Analisar se as qualificadoras mantidas pelo Tribunal de origem são ou não manifestamente improcedentes implica, necessariamente, no reexame do material fático-probatório dos autos, procedimento inadmissível em recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no AREsp: 608605 MS 2014/0294974-4, Relator: Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 28/04/2015, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/05/2015).
Ademais, observa-se que expressamente o STJ, admite a compatibilidade da tentativa na teoria do assentimento[2]; neste sentido, segue a corrente majoritária nos Tribunais de Justiça, iniciando pelo julgado emanado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, qual teve o entendimento confirmado posteriormente pelo Tribunal Superior, in verbis:
HABEAS CORPUS. […] DOLO EVENTUAL. TENTATIVA. EQUIPARAÇÃO AO DOLO DIRETO. COMPATIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Embora a questão não encontre solução pacífica na doutrina, adotando-se como premissa a equiparação do dolo direto com o dolo eventual realizada pelo legislador ordinário, afigura-se compatível o delito tentado praticado com dolo eventual. Precedente. 2. Ordem denegada. (HC 147729/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 20/06/2012).
Imprescindível destacar que embora a jurisprudência reconheça a divergência doutrinaria, a maioria dos Tribunais de Justiça vem admitindo a compatibilidade dos institutos em consonância com os Tribunais Superiores.
Todavia, o TJRS é a corte cuja corrente minoritária se destaca; contudo, o entendimento acerca da incompatibilidade dos institutos não é unânime, conforme se observa o julgado exposto a seguir:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROCESSO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA. TENTATIVAS DE HOMICIDIOS QUALIFICADOS E CRIMES CONEXOS. INCONFORMIDADE DEFENSIVA. PRELIMINARES. […] Deve ser lembrado, contudo, que a existência de dolo eventual, em princípio, não afasta a tentativa: “ADMISSIVEL A FORMA TENTADA DO CRIME COMETIDO COM DOLO EVENTUAL, JA QUE PLENAMENTE EQUIPARADO AO DOLO DIRETO; INEGAVEL QUE ARRISCAR-SE CONSCIENTEMENTE A PRODUZIR UM EVENTO EQUIVALE TANTO QUANTO QUERE-LO.”, conforme já deixou assentado o Superior Tribunal de Justiça (passagem da ementa do RHC 6797/RJ, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/1997) – O pedido alternativo, de desclassificação dos crimes contra a vida para o delito de resistência, sob a alegação de ausência de animus necandi, trata-se de alegação de “… factum internum, e desde que não é possível pesquisá-lo no” foro íntimo “do agente, tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo.” , ou seja, “É sobre pressupostos de fato, em qualquer caso, que há de assentar o processo lógico pelo qual se deduz o dolo distintivo do homicídio.”, como, há muito deixou assentado o mestre Hungria. – Assim, conforme já decidiu esta Corte, por sua colenda Câmara Especial Criminal, quando do julgamento, em 10/09/2002, do Recurso em Sentido Estrito Nº 70004609368, a ausência de dolo e a desistência voluntária são “TESES QUE EXIGEM PERQUIRIÇAO DO ANIMUS DO AGENTE, INGRESSANDO EM MATERIA DE COMPETENCIA CONSTITUCIONAL PRIVATIVA DO TRIBUNAL DO JURI.”. – O eminente Ministro Gilson Dipp, quando do julgamento, em 23 de maio de 2000, do Recurso Especial nº 225.438-CE, pela egrégia Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ressaltou, em voto-vista, que “O certo é que não se pode adentrar no exame de qualquer aspecto volitivo, pois cabe ao Júri tal análise e decisão.” Não podemos esquecer, ainda, que o mesmo Sodalício, por sua e. Terceira Seção, no Conflito de Competência 35294/SP, relator o eminente Ministro Paulo Gallotti, julgado em 13/10/2004, deixou assentado: “DÚVIDA QUANTO À PRESENÇA DE ANIMUS NECANDI NA CONDUTA DO DENUNCIADO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA DEFINIR A TIPIFICAÇÃO A SER DADA AO FATO DESCRITO NA DENÚNCIA.” – “A desclassificação, por ocasião de iudicium accusationis, só pode ocorrer quando o seu suporte fático for inquestionável e detectável de plano.” (Resp nº 192049/DF, Relator: Ministro Felix Fischer, j. em 09/02/1999, Quinta Turma, Superior Tribunal de Justiça). No mesmo sentido, ainda, podemos citar passagem do voto do eminente Ministro Felix Fischer quando do julgamento, em 05 de abril de 2001, do Resp nº 247.263-MG. – Inviável, desta forma, nesta fase, o acolhimento dos pedidos de despronúncia e desclassificação. […]. (TJ-RS – RSE: 70054725148 RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Data de Julgamento: 08/05/2014, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 29/07/2014).
No caso supramencionado, trata-se de uma tentativa cruenta[3]de homicídio, qual a análise deve-se partir da tipicidade conglobante[4] (materialidade e antijuridicidade) para se obter a tipicidade formal; pois como nessa espécie de tentativa o objeto jurídico material não sofre lesão, torna-se indispensável que a vontade[5] do agente esteja nítida.
Porém, não foi este entendimento mencionado utilizado no caso em análise, pois o órgão ministerial acusador ofereceu a denúncia de homicídio; assim, em consonância com os Tribunais Superiores no momento da pronúncia, os julgadores decidiram que o “mero juízo de suspeita”, isto é, eventuais dúvidas devem ser dirimidas pelo Tribunal do Júri.
Da mesma forma, segue o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – COMPATIBILIDADE ENTRE O DOLO EVENTUAL E A TENTATIVA – ELEMENTOS QUANTO A PRÁTICA DE CRIME RELACIONADO AO TRIBUNAL DO JÚRI – ANIMUS DO AGENTE – EXTRAÍDO DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Não obstante a grande celeuma acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado majoritariamente, nos julgados mais recentes, quanto à compatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado. Precedentes do STJ. Tal como já advertido pela jurisprudência, o dolo do agente deve ser extraído das circunstância fáticas, razão pela qual por ter sido a vítima achada com inúmeras lesões em seu corpo, principalmente em regiões vitais como a cabeça, após, em tese, ter sido bastante agredida com um pedaço de madeira, bem como por ter sido encontrada sem qualquer reação e estática, aparentando, inclusive, somente não ter morrido por ter seu filho prestando-lhe socorro, tem-se perceptível que, em tese, o acusado somente não logrou êxito em ceifar sua vida diante da intervenção de terceiro, denotando, assim, elementos probatórios que respaldam um aparente animus necandi. (TJ-ES – RSE: 00083519620158080014, Relator: NEY BATISTA COUTINHO, Data de Julgamento: 18/05/2016, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 25/05/2016).
Outrossim, a vontade do agente ficou nítida nos fatos citados pelo TJES. Nesse sentido, não há de cogitar a possibilidade do dolo eventual[6], haja vista que agiu com animus necandi pelas circunstâncias fáticas do caso concreto; nesse caso, utiliza-se a teoria objetiva-individual[7], pois o autor demonstrou de forma inequívoca a finalidade através dos atos executórios, ora não concretizados por circunstâncias alheias a sua vontade.
Contudo, como sedimentado pelo TJRS, cabe ao júri, que na maioria das vezes é formado por leigos, a definição da tipicidade ao caso concreto.
Insta salientar, que neste procedimento, a defesa tem o prazo de uma hora e meia para convencer estes leigos acerca da incompatibilidade; em termos práticos, uma hora e meia para convencer leigos acerca desta problemática que perdura há anos entre os maiores pensadores das Ciências Criminais.
Por estas razões, importantíssimo a análise do julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, cujo magistrado divergiu do Conselho de Sentença, por não se conformar com o resultado ao caso concreto, exposto a seguir:
PENAL E PROCESSO PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO SIMPLES. DOLO EVENTUAL NA CONDUTA DO APELADO. TESE ACOLHIDA PELO JÚRI. SENTENÇA DISSONANTE COM A DECISÃO DOS JURADOS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ARTIGO 129 DO MESMO CODEX. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. OBJETIVO: ADEQUAÇÃO DA SENTENÇA AO VEREDICTO. FUNDAMENTO: COMPATIBILIDADE ENTRE A TENTATIVA E O DOLO NA MODALIDADE EVENTUAL. ARGUMENTO PROCEDENTE. ERROR IN JUDICANDO. POSSIBILIDADE DE REFORMA SEM AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-RN – ACR: 119516 RN 2008.011951-6, Relator: Des. Caio Alencar, Data de Julgamento: 01/12/2009, Câmara Criminal).
Diante estas problemáticas, o próprio STJ vem modificando o entendimento, sendo crescente os adeptos pela incompatibilidade dos institutos; tendo em vista as problemáticas que acarreta na jurisprudência, pois, deixa a interpretação do caso concreto de forma subjetiva, ora variável entre os operadores do direito.
Nesse sentido, expõe o julgado:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO TENTADO. DOLO EVENTUAL. INCOMPATIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. Hipótese em que peça acusatória consigna que, por ter agido o acusado com dolo eventual, incorreu nas sanções do art. 121, caput, c/c § 4º, segunda parte, e com o art. 14, inciso II, ambos do CP e art. 306, § 1º, inciso I, da Lei n. 9.503/97. O delito na modalidade tentada pressupõe uma irrecusável e inequívoca vontade de praticar um crime, isto é, atingir o resultado lesivo. Este querer de produzir o fato descrito no tipo penal não se encontra presente no dolo eventual, porquanto neste há somente a assunção de um risco, ou seja, o agente mesmo sem querer efetivamente o resultado, assume o risco de produzi-lo. Assim, por ser incompatível o instituto do dolo eventual com a figura da tentativa, merece confirmação a sentença a quo que desclassificou o delito descrito na peça acusatória para outro fora da competência do Tribunal do Júri, a ser definido pelo Ministério Público através de aditamento à denúncia. Vencido o Des. Pitrez que entendia pelo provimento do recurso ministerial, com o fito de possibilitar a análise do dolo eventual pelo Tribunal do Júri. RECURSO IMPROVIDO. POR MAIORIA. A parte recorrente, em suas razões recursais, aponta violação do artigo 121, caput, c/c o § 4º, segunda parte, e com o artigo 14, inciso II, do CP, do artigo 306, § 1º, inciso I, da Lei n. 9503/1997 e do artigo 74, § 1º, do CPP. Sustenta, em síntese, que todo delito punível a título de dolo (artigo 18, inciso I, do Código Penal), seja consumado ou tentado (artigo 14, incisos I e II, do Código Penal), pode ser impulsionado pela modalidade dolo eventual, já que a lei não distingue os institutos para o fim de enquadramento legal (e-STJ fl. 313). Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 325/332), o recurso especial foi admitido (e-STJ fls. 334/339), manifestando-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso especial (e-STJ fls. 353/359). É o relatório. Decido. O recurso merece acolhida. No que concerne à alegada incompatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que a tentativa é compatível com o delito de homicídio praticado com dolo eventual, na direção de veículo automotor. (STJ – REsp: 1640006 RS 2016/0311362-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 02/02/2017).
Sob esta esteira de entendimento, o TJRS sustenta fortemente a posição minoritária, diante a inexistência de prova dos aspectos subjetivos[8] do agente delituoso, conforme o entendimento descrito:
PRONÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DO DOLO DO AGENTE. DESCLASSIFICAÇÃO MANTIDA. Como destacou o Julgador, desclassificando a infração penal imputada ao recorrido: “O acusado Gladimir em momento algum busca eximir-se da responsabilidade a ele imputada, confirmando que havia ingerido bebida alcoólica e que conduzia o veículo sem a devida permissão. Entretanto, apenas tais fatores não implicam na aferição do elemento subjetivo dolo na conduta do réu. Em verdade, tais elementos apontam para a concreção de ação típica culposa, eis que o Gladimir – ao dirigir o veículo – não tomou o cuidado mínimo necessário e dele exigível à espécie… Por tudo isso, os elementos circunstanciais apontam na direção de uma conduta culposa, porquanto injustificável a apreciação do caso concreto pelo Tribunal do Júri. Assim, entendo que o delito em pauta se trata de outro que não doloso contra a vida, devendo ser analisado pelo juízo singular.” DECISÃO: Recurso ministerial desprovido. Unânime. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70034503961, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 09/04/2014). (TJ-RS – RSE: 70034503961 RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Data de Julgamento: 09/04/2014, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/04/2014).
A corte concluiu que embora o acusado tivesse consciência do risco que assumia, confiava que nada excepcional ocorreria, portanto, as circunstâncias fáticas são insuficientes para aferição do elemento subjetivo na conduta do réu.
Corroborando este entendimento, segue mais um julgado do TJRS:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO TENTADO. DECISÃO DESCLASSIFICATÓRIA. PROVA ESTREME DE DÚVIDA DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A TENTATIVA E O DOLO EVENTUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA TESE ACUSATÓRIA. DESCLASSIFICAÇÃO QUE SE IMPUNHA. Recurso improvido. (TJ-RS – RECSENSES: 70048027247 RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Data de Julgamento: 18/07/2012, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/07/2012).
Os Desembargadores emanaram o entendimento pela desclassificação do delito pela a ausência do animus necandi, tendo em vista que a vítima estava sozinha com seu filho, assim, se realmente o agente possuísse a vontade homicida, teria a concretizado pelas circunstâncias fáticas ao caso em concreto, característica da teoria objetiva-individual, tendo em vista que a vontade homicida não ficou nítida. Além disso, a materialidade do delito foi constatada como lesão de natureza leve, razão pela qual o desclassificaram em consonância com a teoria objetiva-material[9].
Outrossim, os julgadores destacaram a impossibilidade da tentativa com o dolo eventual, pois no delito tentado, a vontade é dirigida a um determinado resultado; enquanto no dolo eventual o agente aceita o resultado, não equivalendo ao querer[10].
Corroborando este entendimento, segue o julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICIDIO QUALIFICADO – DESCLASSIFICAÇÃO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE – DOLO EVENTUAL – TENTATIVA – INCOMPATIBILIDADE – CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E SENTENÇA O procedimento do Tribunal Popular, segundo a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, é escalonado, ou seja, constitui-se de duas fases completamente distintas (CPP Comentado, vol. 2, 5ª ed., Saraiva, 1999. p. 27). Na primeira delas, designada judicium accusationis, o Juiz Presidente realiza um simples juízo de prelibação da acusação cujo objetivo é assegurar, de um lado, que o réu não seja submetido a constrangimento desnecessário, e, de outro, que o Estado não movimente seu aparato para promover um julgamento descabido. Nesse intuito, avalia-se a presença no caso concreto de prova da materialidade do delito e de indícios de autoria. A decisão de pronúncia cumpre papel jurídico de filtro da acusação. Tem como escopo impedir que o réu, destinatário do direito fundamental de ser julgado pelo júri, seja submetido a julgamento perante o Tribunal popular, com risco de condenação, quando a acusação evidentemente é excessiva ou temerária. No caso concreto, apenas reclama o recorrente da falta de indícios de autoria, o que deve ser examinado pelo Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. (TJ-RJ – RSE: 02032280620148190001 RJ 0203228-06.2014.8.19.0001, Relator: DES. MARCUS HENRIQUE PINTO BASILIO, Data de Julgamento: 18/08/2015, PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 21/08/2015 18:13).
O julgado acima exposto tem consonância com a problemática ocorrida no TJRN abordada anteriormente, tendo em vista que se eventuais riscos vierem à tona, estes possuíram proteção constitucional pela soberania dos veredictos; isto é, significa constitucionalizar implicitamente a hermenêutica in malem partem realizada pelo órgão ministerial acusador no momento da opinio delicti ao imputar o agente delituoso no procedimento do júri.
Por fim, nessa linha de entendimento, segue o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Pernambuco:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO TENTADO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DECISÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA OUTRO DA COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. DECRETO SUICIDA. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL LEIGO. NÃO OCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. PEDIDO DE PRONÚNCIA DO RÉU. PROVA ESTREME DA AUSÊNCIA DO ANIMUS NECANDI. INCOMPATIBILIDADE ENTRE DOLO EVENTUAL E A TENTATIVA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO À UNANIMIDADE. I – Inexiste fundamento para o pedido de nulidade da decisão por violação ao princípio acusatório, quando o Juiz Singular, utilizando-se da prerrogativa que lhe é conferida pela própria lei processual penal e, entendendo não ser hipótese de crime da competência do Tribunal do Júri, promoveu a sua desclassificação, na forma dos arts. 418 e 419 do CPP, atribuindo aos fatos narrados nos autos nova classificação jurídica. II – Não há como se sustentar a alegação de decisão suicida se não existe incongruência entre os fundamentos e o dispositivo da decisão e, ainda, todos os argumentos do julgador apontam para a não ocorrência de tentativa de homicídio, com a consequente desclassificação do fato para outro ilícito. III – Possuindo o julgador livre convencimento, exigindo a norma jurídica apenas que esse entendimento seja motivado (art. 155, CPP), incorre o vício apontado se o magistrado, apreciando livremente a prova, concluir pela desclassificação da infração, apresentando os seus fundamentos, como dispõe a legislação processual, não sendo hipótese de error in procedendo. IV – Havendo prova estreme de dúvida de que o réu não agiu imbuído do animus necandi, e, ainda, sendo o dolo eventual incompatível com a tentativa, não há que se falar em homicídio tentado, mas em crime diverso da competência do Tribunal do Júri, sendo a hipótese do art. 419 da Lei Processual Penal, e, portanto, acertada a desclassificação do ilícito. V – Preliminares não acolhidas e, no mérito, recurso não provido. Decisão unânime. (TJ-PE – RSE: 2765535 PE, Relator: Cláudio Jean Nogueira Virgínio, Data de Julgamento: 20/02/2013, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 28/02/2013).
Conforme abordado, o tema controverso dentro da jurisprudência, o que não pode persistir, pois o objetivo fulcral do Direito Penal é promover a segurança jurídica, através de decisões sólidas em tutela dos bens jurídicos mais preciosos.
Notas:
[1] Leia o artigo: “A (In)compatibilidade da Tentativa na Teoria do Assentimento, na Doutrina” publicado em 13.11.2020.
[2] Leia o artigo: “Teoria do Assentimento” publicado em 23.07.2020.
[3] Leia o artigo: “Da Tentativa Cruenta” publicado em 22.10.2020.
[4] Leia o artigo: “A Tipicidade no Sistema Finalista” publicado em 23.04.2020.
[5] Leia o artigo: “O Querer e a Vontade” publicado em 14.05.2020.
[6] Leia o artigo: “Dolo Indireto” publicado em 09.07.2020.
[7] Leia o artigo: “A Tentativa sob a Ótica do Sistema Finalista” publicado em 01.10.2020.
[8] Leia o artigo: “O Tipo Complexo” publicado em 16.04.2020.
[9] Vide nota 07.
[10] Leia o artigo: “Vontade e Finalidade” publicado em 21.05.2020.
Referências:
BRITO. Samuel Firmino de. A incompatibilidade da tentativa na teoria do assentimento sob a ótica do sistema finalista de Hans Welzel. Monografia. Orientadora: Júlia Mara Rodrigues Pimentel. Manhuaçu/MG: Faculdade Doctum, 2017.